T - E - X - T - O - S

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Duas pedras

Falei no “eu” e na “vida”. E, como sempre, fiquei pensando sobre isso. Talvez eu deva mudar o nome do blog?...

Pedras dão a idéia de coisa dura, imutável, sempre de acordo consigo mesma, que apenas gera movimento, faíscas, no caso. Mas estas duas palavras, “eu” e “vida”, elas são o próprio movimento, visto que nem é quase possível capturá-las. Mais que isso: são criaturas. Então na verdade, outras coisas estão em jogo. Esse choque entre dois, ou três, ou quatro, sejam lá quantos forem; sejam lá o que forem. Ele não se dá entre estas duas esferas. Mas entre coisas insondáveis, a que talvez chamemos com esses nomes. Ele gera a faísca que cria: eu e vida.

O “eu”, o que é? Quem é? Ninguém. O eu surge no contraste com algo que não sou eu – o outro. Este é entendido simplesmente como um não-eu, que valida o eu como tal, e vice-versa. Mas neste contraste, perdem-se os dois, quase que instantaneamente. Por “eu” e “não-eu” serem, ao mesmo tempo e sempre, um e outro, nada pode ser fixado. Mesmo porque, quando digo “eu”, quem está afirmando isso? Não é o outro, diferente do primeiro, aquele que possibilita o contraste?

Porém é necessário que sejamos nós – que sejamos Eu. Para haver qualquer tipo de comunicação, é necessário um acordo, que algo esteja estabelecido, por mais que constantemente estejamos sobrevoando aquele abismo da identidade.

É mesmo um jogo de máscaras e uma representação, a língua. Para conversarmos, para que eu escreva este texto, preciso afirmar: eu sou isto aqui, eu estou aqui, por mais que também não esteja. Preciso vestir uma máscara, e chamá-la de “verdade”, para que haja chão sobre nossos pés. Talvez de alguma perspectiva, lançadas num abismo, talvez, as pedras sejam moles e vacilantes.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Impulso Irreconhecível

Existe, no ser humano, um impulso de expressão. Seja por que meio ela se dê, o homem precisa exteriorizar-se. Isso pode parecer uma origem. Dizer que, desde a invenção do homem, ou melhor, a própria invenção veio da necessidade de comunicação. Dessa necessidade tornou-se possível o “homem”.

Mas também me parece uma coisa de todo incompreensível, a necessidade de comunicar-se. E, portanto, uma origem que não é original. Uma origem possível, mas inacessível. Parece um atrito, mesmo. Como quando se chocam duas pedras, e surge a faísca, que por si só é efêmera como a duração da existência, mas que pode botar fogo em tudo.

Então também no interior do homem deve haver esse atrito. Uma pedra chamada “vida”, outra pedra chamada “eu”. E isso é o que sustenta o homem como artista. Porque da tensão surge a criação. A tensão é sempre nova, imprevisível. Não é conhecida, enfim, não tem nome. Nem é possível saber que forças estão em jogo para que a criação surja. Então o homem é, essencialmente, artista. Pois tudo que jamais criamos veio dessa tensão. Inclusive uma maneira de pensar, chamada raciocínio. Do raciocínio surge a produção, que deixa de ser nova, deixa de ser criadora. Produção torna-se, sempre, reprodução.

Nesse impulso, deve falar ainda outro impulso. Ele é solitário, o homem é solitário enquanto testemunha e ator de seus impulsos. Mas ao mesmo tempo, existe a necessidade de proximidade com outros homens. Este o outro impulso. Uma centelha, que logo se apaga, desaparece, mas que lança, no ato de acender e apagar-se, um desejo de proximidade. É só um momento, ele também.

Talvez o homem sempre esteja nesse lugar inacessível. Entre a tensão e a explosão; entre desejo e expressão. É mesmo aquele espaço vazio, entre impulso e criação. O espaço que nunca alcançamos, onde não podemos permanecer, que não é origem nem fim, mas caminho. Como na música do Caetano: “o samba é pai do prazer / o samba é filho da dor / o grande poder transformador”. Estamos sempre entre dor e prazer, gestação e nascimento. Por isso nunca paramos de criar, por isso o impulso nunca se apaga. Necessitamos constantemente sair de nós mesmos, para depois retornar. E toda sensação, toda vida guarda-se nesse movimento.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Uma Ilustração...

Nem saberia dizer-te a razão... Não as tenho. Queres-me presa da tua forma. Tu, sorrindo despreocupado, como se soubesses, sorriso de possuidor.

Me encontras, e me trazes um vestido, bem como tu gostas. Vermelho do início ao fim. Na longa cauda um rasgo por onde insinuam-se minhas pernas. Ali, onde o segredo está guardado; onde queres acreditar.

Então por um momento me retiro, peço tua licença. Dispo-me no teu vestido sangue. Quando volto, já tua boca está a salivar. Tuas mãos, rudes, sedentas – ignorantes. Pegas na minha cintura, e gozas. Assim como querias, ver-me na fôrma do teu vestido, no contorno das tuas linhas, no vermelho do teu desejo. Para que pudesses desembrulhar-me, e terias chegado, possuir-me-ias. E para sempre, sem nunca outro vestido oferecer-me. Jamais com outras mãos tocar-me.

Agora tu dormes. E vejo no teu rosto, a simples satisfação. Dormes; vives liberto, agora. Então me levanto, no silêncio afasto-me. Cobre-me o vestido, já velho, já outro. Espero por um momento, do lado de fora.

Quando vibra junto ao sol tua surpresa muda, engraço-me. Fecho a porta.

domingo, 25 de abril de 2010

Silenciosos

Falei nesse silêncio que pode meter medo, no final do último (primeiro) texto. E fiquei pensando nisso. Porque o silêncio pode, muitas vezes, causar uma situação desagradável? Talvez seja melhor falar nas palavras, e porque com elas, muitas delas, as coisas ficam mais fáceis, fluem com mais tranqüilidade.

Tenho uma opinião de que as palavras afastam. Usar palavras é repelir o outro – seja esse “outro” uma pessoa, um objeto ou um sentimento. A ação de dar nome à alguma coisa significa cerrá-la, fechá-la dentro de si. Só que este “si” refere-se a nós. Dar nome quase equivale a dar forma, e portanto delimitar algo, defini-lo.

Agora, nesse espaço esclarecido, o algo incompreensível se encaixou, e ficou ali, estático. Digamos, um bicho da selva. Uma leoa. Ela tem nome, e aqui, na cidade, falando sobre ela, não sentimos medo, nós a compreendemos. Mas e se nos encontrarmos face a face com ela, a distância do nome – a segurança dessa distância, reduzida a nada? Então pouco importa que a leoa tenha nome. Ela já não cabe dentro da forma que lha demos. Não, ela é imprevisível, pronta para derrubar, para arrancar nossas certezas, nossos conceitos mais heróicos.

Voltando ao “mundo humano”. Também entre nós existe essa facilidade. Essa segurança de um nome, seja ele qual for. É João, é médico, advogado, é velho, novo, forte, preto, é... Quem é este outro, que se pararmos num momento de silêncio deixa de ser qualquer coisa?

Sem a mediação das palavras, estamos lançados a natureza mais cruel. Porque rui a razão, a cultura, a sociedade. Sem elas, não pertencemos a lugar algum. Então seria fácil concluir “ao diabo com as palavras, pois!”. Mas... não podemos viver sem elas. Suspeito que não podemos ser sem elas. Tivemos a necessidade de criá-las, afinal...

Os silenciosos. Também há silêncio nas palavras. Parece que elas sempre remetem a esse silêncio maior e insondável. Como delicadas asas de borboleta sobre um abismo escuro. Mas quão perigosamente belo é poder voar sobre esse abismo.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pensamentos

Pensar a vida... Espantar-se com ela. Vivemos tão fechados dentro destes sistemas invisíveis – uma cultura, um idioma, um estado, um apartamento, uma época, um círculo e uma vida social. Nosso mundo é separado em compartimentos, e cada aspecto de nossas vidas pertence a uma gaveta. Nesse sentido tudo é muito claro. Por mais que a gaveta possa estar bagunçada, confusa – está tudo ali, tudo ali pertence àquele lugar, e tem como “seguro” o nome da gaveta, o que deixa a bagunça ordenada, suportável.

Mas isto ocorre no nosso interior, que projeta essa “ordem” sobre a vida. Enquanto esta escapa a qualquer rótulo, corre solta por aí, sem regras, sem sentido, sem propósito, sem gavetas, sem ordem... Falando assim, não parece um grande absurdo, a vida? Nascemos com uma sentença de morte. Vivemos sem saber por que (por quem...?) ou para que. Guiamos a nós mesmos, ao tempo que somos guiados por forças além de nosso alcance, de nosso controle. Não falo em Deus. Chamem do que quiserem. Coisas ocultas, ausentes, poderosas, que nos impelem para lá ou para cá; para lá e para cá...

Um pensamento que tenho. Talvez soe como uma defesa da astrologia. O sol permite nossa vida. Dá cor a todas as coisas (nada tem, de fato, uma cor), nos esquenta, enfim, todos aqueles “fenômenos físicos”. O sol, uma estrela, é essencial, fundamental, decisivo em nossas vidas. E as outras estrelas, que da mesma forma estão no universo, tão distantes quanto nosso sol (porque para o homem tanto faz que sejam bilhões ou trilhões de quilômetros de distância)? Elas não fazem a menor diferença em nossas vidas? Afetam a terra, isso deve bastar para que também nos afetem.

O homem; esse bicho terrivelmente impotente frente à vida. Dominamos o planeta! Evidentemente temos sede. Sede igualmente terrível, que nunca sacia, que nunca vive a si mesma. Não, temos sede, então bebemos, enquanto pensamos na próxima sede e na próxima (in)satisfação. Será que o simples presente nunca nos bastará? Porque não é no presente que estamos aprisionados, embora a sensação seja claramente essa. É num futuro impossível, irreal, sem sangue, que corre artificialmente em nossos nervos. E mesmo vivendo dessa maneira ainda assim vivemos no presente!

Um dia o “homem” acabará. E talvez ele olhe para a própria ruína com surpresa. Talvez pare por um momento, e encontre-se face a face com a pequenez de sua grandeza. Há aqueles que temem parar, e ficar a sós, em silêncio consigo mesmos.

Retorno

De volta por aqui. E acho que não tem ninguém aqui.... O que significaria que estou falando sozinho. Estranhamente isso não parece um problema. Manter um diálogo com interlocutores ausentes: mesmo que aqui estivessem, ainda estariam ausentes.

Fiz uma proposta a mim mesmo, de escrever o que geralmente fica guardado em meu pensamento. Ou mesmo que eu o tenha colocado em folhas, elas foram só para mim, e não tinham um dever com a clareza.

Fiz essa proposta como um exercício. Coisas que a gente fica pensando, que incomodam um pouco, mas que também aliviam às vezes. De colocá-las "para fora", o que significa, de alguma maneira, torná-las reais, ao menos palpáveis (tão palpáveis quanto palavras podem ser).

Não tenho nenhum compromisso, senão comigo mesmo. Quero dizer, não me propus a dever nada a fontes, padrões de raciocínio ou de escrita, a "realidades" enfim, senão aquelas que a mim se apresentam quando penso.

Então, vamos nessa!

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Greater Then Myself [para Di]

You are too great for my heart.
So it expands for you.
But your is bigger then mine,
Which means you will never fit in it.

As a non-planned city, it grows.
With no structure what-so-ever,
Painfully,
My heart gives you a home.

And if you go away,
It will collapse,
For at your disappearance,
It will implode.
Empty, inexistantly,
Unloved.
Ricardo Cardoso de Lima e Silva
31/10/2008

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Flores Mortas

Foge a lembrança do teu rosto.
Pois és somente isso;
Lembrança.
Sem lugar no tempo,
De todo tempo perdido.
Não fazes sentido.
Não tem pés, nem braços.
Nem rosto.
Um algo afogado
No fundo de caixa que não sabe onde está.
Não te evoca, o pensamento.
Se eras miúda e tinha olhos tristes.
Se no peito guardava
O que não se deve guardar.
Então tua voz terminava em coro,
Com o resto das coisas barulhentas.
E os dias não amanheciam,
Pra não te atrapalhar o sono.
A beleza que te deixa correr solta contra o vento.
Mas tu escapas de qualquer gravura,
E nos derrama as mágoas da vida.
Talvez teu pranto
Vá silenciar de vez as tantas folhas,
Voando mortas de encontro ao chão.

Rio, 22 de Fevereiro de 2008

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Assim é o Mundo

A sucessão de pleonasmos redundantes;
O pretérito perfeitamente imperfeito;
As máscaras impostas pelas metáforas;
Tempos traçando tantas aliterações;
Palavras ababacadas a acabar em assonâncias.

Poesia romântica
Entre tantas instâncias
De espírito constantemente
Atordoado de amor.

Rimas aleatórias,
Sem pé nem cabeça,
Saindo das mesas
E entrando nas memórias.

Prazerosa e angustiante.
Fórmulas insanas.
Um ajuste de variáveis
Translatando,
Rotacionando.

O voar de aves,
Nadar de peixes
E caminhar de mamíferos.
A esquelética forma
De artrópodes invertebrados.

A arte de amar e estar.
O modelo perfeito,
Inexistente.
A folha em branco.

O mundo,
Cada vez mais político,
Com menos forma,
Menos sonhos.

A atenção radiante
Do, e no, amor.
Quanta quanta em uma reação?

As evoluções febris,
Exponenciais,
Fatorando a alma
Em aspectos algébricos.

A repetição de eventos.
A demarcação de terrenos,
De história física.
De vida.
Ricardo Cardoso de Lima e Silva
20/12/2007

sábado, 19 de janeiro de 2008

Sem Título

Estranho o Rio,
Depois de chuva.
Voltam os pombos
E o barulho urbano.
Volta gente nas janelas
Abertas.
Volta o branco
Nas calçadas
E a negra imponência
De montanha lá fora.
O primeiro suspiro
Depois da chuva

Quem sabe amanhã.


Rio de Janeiro, 19 de Janeiro de 2008

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Sem Título

Cheiro o mar.
Na ponta da língua inerte
O fio negro que
Ainda pende dos cabelos
Dela.
Deito o mar.
Se vão as horas de beijos
Que não cabem entre os seios
De cidade em
Fantasia.
Onde fica a janela
Para jogar-lhe no sal
Que abunda as feridas?

Rio de Janeiro, 23 de Dezembro de 2007

domingo, 13 de janeiro de 2008

Corrida Solitária

O ritmo do teu coração
Me envolve.

Meus pés corridos
Se posicionam,
Como um robô,
Um à frente do outro.
Todavia, meu impulso, mecânico não é.

Teus arquejos se blindam nos meus.
Meu cansaço é tua exaustão.

Enquanto teus seios nus
Se postam em minha boca,
Meus braços se movimentam
Sem desistir do ímpeto,
Da inércia.

Teus movimentos repetitivos
Motivam-me a continuar os meus.

Às carícias de minhas mãos
Tu sucumbes aos arrepios.
Teus gemidos são tesouro.

Nossos corpos se fundem
Ao calor de nossos afagos.
Minha mente se torna a tua,
E a tua vive na minha.

E o teu orgasmo é minha satisfação.
A hipnose se torna escravidão.

Tu corres comigo.

Tua presença não me pesa o peito,
Nem mesmo minha consciência.

Tu sorris quando eu sorrio
E eu sorrio sem te notar.
Tua angelicalidade me persegue,
Trata-me injustamente bem.

Ao sentir saudades,
Quando os sonhos me pregam peças,
Toco-te e tu és minha para sempre.
Nesses sonhos infantis
Tu me acalmas.
"Hei de esperar contente
Pois tua vida é apenas uma,
Como a minha foste ao teu lado.
Um dia seremos ambos concretos de novo
Para que nossa abstração
Seja subjetiva em nossos relentos de amor".

Eu obedeço,
Hipnotizado.

Ricardo Cardoso de Lima e Silva

23/12/2007

domingo, 23 de dezembro de 2007

Tic-Tac

O tempo transcrito
Transtorna o transeunte,
Transpassa o traçado,
Transforma o traço.

Tu tendes a ter
Transfigurações tenebrosas.
Tropas de tambores
Tiram tua tranqüilidade.

Em tantos tempos
Tantas tralhas
Trançaram tuas têmporas.
Quando até tardar, tempestades.

Trocas tramadas
Transferiram tentações.
Com o transporte do tato
O toque te trava.

Tentas tirar tudo
Do teu texto.
Todavia, o tempo
Que assim te trata, te tem.


Ricardo Cardoso de Lima e Silva
02/11/2007

terça-feira, 20 de novembro de 2007

mais um sem título

Às vezes, mesmo no outono,
O cheiro da primavera
Enriquece-nos os pulmões.
Algo aflora nessa parte de fauna
Que somos nós.

Nossos desejos se encontram.
Mútuos, intensos, naturais,
Controlam-nos a mente e o corpo.
Nossos corpos ferventes
Transigem à fantasia.
Nossas carcaças se colam,
Umas às outras,
Na esperança
De que nos tornemos um só.

Mas o espaço de um, é dele.
E somente dele,
Para gozar da liberdade de ser.

E nossos logos se conformam,
Em ter tido nossa noite fogosa
E o prazer que será,
Em alguma dimensão,
Eterno.

Ricardo Cardoso de Lima e Silva

19/11/2007

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Poema

Essa é uma tradução que fiz, de um poema do Pablo Neruda.


Se me esqueceres
(Pablo Neruda)

Quero que saibas
uma coisa.

Sabes como isso é:
se olho
a lua de cristal, o galho vermelho
do outono lento à minha janela,
se toco
perto ao fogo
a cinza impalpável
do corpo enrugado do tronco,
tudo, a ti, me levas,
como se o que existe,
cheiros, luzes, metais,
fossem pequenos barcos
que navegam
para tuas ilhas que por mim esperam.

Mas,
se aos poucos deixares de me amar
à ti deixarei de amar aos poucos.

Se de repente
me esqueceres
não me procures
pois, por mim já deves ter sido esquecida.

Se pensas louca e longamente,
ventos conspícuos
que sopram por minha vida,
e decides
deixar-me à beira-mar
do coração onde criei raiz,
lembres
que em tal dia,
à tal hora,
erguerei os braços
e minhas raízes planarão
à procura de outra terra.

Mas
se cada dia,
cada hora,
sentires teu destino em mim
com implacável doçura,
se cada dia uma flor
subir-te os lábios à minha procura,
ah meu amor, ah meu eu,
em mim o fogo se repetirá,
em mim nada se extingui ou se perde,
do teu, meu amor se nutre, amada,
e enquanto viveres estará em teus braços
sem que deixe os meus.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Nudez

A flor de seu gozo
Lento,
No alto
Do salto
Vermelho
(seus pés me
pisam e
engolem
como afogar-se
na corrente).

Ela respira,
E dorme.
Suor de
Pudor
Dos olhos escuros
(não sei se
falo
ou deito
ao seu lado;
não dormirei
em seus braços).

O ventre
Entrelaçado
De passado,
Resiste
Ao toque
(devo perceber
a Nudez
nos olhares
que não
trocamos)?

Guilherme Lanari Bo Cadaval 24/9/2007

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Versos em Quarto Fechado

Perder a vida
Na vida.
Não é ilusão de sexo,
Nem a carne ferida.
Nem estrela
Que brilha
Por não ser impedida.
Mas euforia contida.
Sabor
Do saber
Ser.
O nada em cada tudo.
Nada faço
Com a vida
Ela que me faz.
Fez e fará.
Lembraremos juntos
O verão
De nossas idas.

Guilherme Lanari Bo Cadaval 15/9/2007

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Poema

Subversiva
(Ferreira Gullar)

A poesia
quando chega
não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
de qualquer de seus abismos
desconhece o Estado e a Sociedade Civil
infringe o Código de Águas
relincha
como puta
nova
em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois
reconsidera: beija
nos olhos os que ganham mal
embala no colo
os que têm sede de felicidade
e de justiça

E promete incendiar o país.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Sacrifício

Num instante foi o sangue, o horror, a morte na lama do chão.
– Segue, disse a voz. E o homem seguiu, impávido
Pisando o sangue do chão, vibrando, na luta.
No ódio do monstro que vinha
Abatendo com o peito a miséria que vivia na terra
O homem sentiu a própria grandeza
E gritou que o heroísmo é das almas incompreendidas.

Ele avançou.
Com o fogo da luta no olhar ele avançou sozinho.
As únicas estrelas que restavam no céu
Desapareceram ofuscadas ao brilho fictício da lua.
O homem sozinho, abandonado na treva
Gritou que a treva é das almas traídas
E que o sacrifício é a luz que redime.

Ele avançou.
Sem temer ele olhou a morte que vinha
E viu na morte o sentido da vitória do Espírito.
No horror do choque tremendo
Aberto em feridas o peito
O homem gritou que a traição é da alma covarde
E que o forte que luta é como o raio que fere
E que deixa no espaço o estrondo da sua vinda.

No sangue e na lama
O corpo sem vida tombou.
Mas nos olhos do homem caído
Havia ainda a luz do sacrifício que redime
E no grande Espírito que adejava o mar e o monte
Mil vozes clamavam que a vitória do homem forte tombado na luta
Era o novo Evangelho para o homem da paz que lavra no campo.

Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1933