T - E - X - T - O - S

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Sentidos

Algumas noites atrás decidi escutar música antes de dormir. Coloquei os fones, deitei-me, luzes apagadas, olhos fechados. E tive uma experiência talvez um pouco diferente com o som. De repente, como nunca tinha sentido, ou quem sabe percebido antes, fui transportado para esse universo tão prazeroso dentro de mim. Um universo onde o que existe é o som, o que é por ele provocado, o mar de sensações que surge e pelo qual se navega, e onde o bem e o mal, certo e errado, encontram-se ausentes, inexistentes – é negado a eles qualquer acesso. Tudo que há é um mundo em transformação, apenas navegamos, somos navegados, somos o próprio navegar.

Então me veio o pensamento de que a visão, este sentido que valorizamos tanto, talvez seja o que tenhamos de mais pobre. Ou talvez... talvez tenhamos apenas confiado à visão tal caráter veraz, tal teor de exatidão, que nos esquecemos de também ouvir com os olhos. De ver com os ouvidos. Esquecemo-nos de atentar aos outros sentidos. De misturá-los, brincar com eles, desenvolvê-los. É tanto o que se capta pelos sentidos. Todo o mundo, de fato. Os mundos... Se conhecemos uma pessoa, conhecemos o seu cheiro, seu toque, sua voz. Mas nos encontramos tão afastados das pessoas, na distância do olhar, que acreditamos conhecê-la somente através dos olhos. Mais que isso: acreditamos conhecê-la. Tudo o que temos são os efeitos de nossos sentidos.

Talvez os olhos “sirvam” mais para revelar quem está dentro do que quem está fora. Assim volta-se a velha questão da identidade do que está dentro. Eu mesmo acredito que sou isso – EU. E talvez tenha medo de ser qualquer outra coisa, que não eu. Porque perderia minha crença em mim, de que sou isso ou aquilo. Mas... O que está dentro é este fluxo, constantes informações que me chegam, de relações que mantive, de modos como me comportei. Existe algo que permaneça, aí?

O som tem atiçado minha curiosidade. Às vezes gosto de fechar os olhos, numa sala cheia de gente. Ouvir as vozes – não é incrível que uma certa voz saia de alguém?, como se ela estivesse desperdiçando a si mesma ali, revelando-se no som, no seu som. A voz parece aquilo que sai da pessoa, de um lugar que nos é inacessível. De onde vem? O que a produz? Uma pessoa não fala com o estômago?, com o coração?, com as veias? Não é o corpo inteiro que vibra quando a voz se manifesta?

Ouvir com os olhos. Sentir um gosto com a pele. Escutar com o nariz. Seria tão limitado, tão pobre, tão triste, se os sentidos tivessem uma identidade impenetrável...

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Duas pedras

Falei no “eu” e na “vida”. E, como sempre, fiquei pensando sobre isso. Talvez eu deva mudar o nome do blog?...

Pedras dão a idéia de coisa dura, imutável, sempre de acordo consigo mesma, que apenas gera movimento, faíscas, no caso. Mas estas duas palavras, “eu” e “vida”, elas são o próprio movimento, visto que nem é quase possível capturá-las. Mais que isso: são criaturas. Então na verdade, outras coisas estão em jogo. Esse choque entre dois, ou três, ou quatro, sejam lá quantos forem; sejam lá o que forem. Ele não se dá entre estas duas esferas. Mas entre coisas insondáveis, a que talvez chamemos com esses nomes. Ele gera a faísca que cria: eu e vida.

O “eu”, o que é? Quem é? Ninguém. O eu surge no contraste com algo que não sou eu – o outro. Este é entendido simplesmente como um não-eu, que valida o eu como tal, e vice-versa. Mas neste contraste, perdem-se os dois, quase que instantaneamente. Por “eu” e “não-eu” serem, ao mesmo tempo e sempre, um e outro, nada pode ser fixado. Mesmo porque, quando digo “eu”, quem está afirmando isso? Não é o outro, diferente do primeiro, aquele que possibilita o contraste?

Porém é necessário que sejamos nós – que sejamos Eu. Para haver qualquer tipo de comunicação, é necessário um acordo, que algo esteja estabelecido, por mais que constantemente estejamos sobrevoando aquele abismo da identidade.

É mesmo um jogo de máscaras e uma representação, a língua. Para conversarmos, para que eu escreva este texto, preciso afirmar: eu sou isto aqui, eu estou aqui, por mais que também não esteja. Preciso vestir uma máscara, e chamá-la de “verdade”, para que haja chão sobre nossos pés. Talvez de alguma perspectiva, lançadas num abismo, talvez, as pedras sejam moles e vacilantes.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Impulso Irreconhecível

Existe, no ser humano, um impulso de expressão. Seja por que meio ela se dê, o homem precisa exteriorizar-se. Isso pode parecer uma origem. Dizer que, desde a invenção do homem, ou melhor, a própria invenção veio da necessidade de comunicação. Dessa necessidade tornou-se possível o “homem”.

Mas também me parece uma coisa de todo incompreensível, a necessidade de comunicar-se. E, portanto, uma origem que não é original. Uma origem possível, mas inacessível. Parece um atrito, mesmo. Como quando se chocam duas pedras, e surge a faísca, que por si só é efêmera como a duração da existência, mas que pode botar fogo em tudo.

Então também no interior do homem deve haver esse atrito. Uma pedra chamada “vida”, outra pedra chamada “eu”. E isso é o que sustenta o homem como artista. Porque da tensão surge a criação. A tensão é sempre nova, imprevisível. Não é conhecida, enfim, não tem nome. Nem é possível saber que forças estão em jogo para que a criação surja. Então o homem é, essencialmente, artista. Pois tudo que jamais criamos veio dessa tensão. Inclusive uma maneira de pensar, chamada raciocínio. Do raciocínio surge a produção, que deixa de ser nova, deixa de ser criadora. Produção torna-se, sempre, reprodução.

Nesse impulso, deve falar ainda outro impulso. Ele é solitário, o homem é solitário enquanto testemunha e ator de seus impulsos. Mas ao mesmo tempo, existe a necessidade de proximidade com outros homens. Este o outro impulso. Uma centelha, que logo se apaga, desaparece, mas que lança, no ato de acender e apagar-se, um desejo de proximidade. É só um momento, ele também.

Talvez o homem sempre esteja nesse lugar inacessível. Entre a tensão e a explosão; entre desejo e expressão. É mesmo aquele espaço vazio, entre impulso e criação. O espaço que nunca alcançamos, onde não podemos permanecer, que não é origem nem fim, mas caminho. Como na música do Caetano: “o samba é pai do prazer / o samba é filho da dor / o grande poder transformador”. Estamos sempre entre dor e prazer, gestação e nascimento. Por isso nunca paramos de criar, por isso o impulso nunca se apaga. Necessitamos constantemente sair de nós mesmos, para depois retornar. E toda sensação, toda vida guarda-se nesse movimento.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Uma Ilustração...

Nem saberia dizer-te a razão... Não as tenho. Queres-me presa da tua forma. Tu, sorrindo despreocupado, como se soubesses, sorriso de possuidor.

Me encontras, e me trazes um vestido, bem como tu gostas. Vermelho do início ao fim. Na longa cauda um rasgo por onde insinuam-se minhas pernas. Ali, onde o segredo está guardado; onde queres acreditar.

Então por um momento me retiro, peço tua licença. Dispo-me no teu vestido sangue. Quando volto, já tua boca está a salivar. Tuas mãos, rudes, sedentas – ignorantes. Pegas na minha cintura, e gozas. Assim como querias, ver-me na fôrma do teu vestido, no contorno das tuas linhas, no vermelho do teu desejo. Para que pudesses desembrulhar-me, e terias chegado, possuir-me-ias. E para sempre, sem nunca outro vestido oferecer-me. Jamais com outras mãos tocar-me.

Agora tu dormes. E vejo no teu rosto, a simples satisfação. Dormes; vives liberto, agora. Então me levanto, no silêncio afasto-me. Cobre-me o vestido, já velho, já outro. Espero por um momento, do lado de fora.

Quando vibra junto ao sol tua surpresa muda, engraço-me. Fecho a porta.

domingo, 25 de abril de 2010

Silenciosos

Falei nesse silêncio que pode meter medo, no final do último (primeiro) texto. E fiquei pensando nisso. Porque o silêncio pode, muitas vezes, causar uma situação desagradável? Talvez seja melhor falar nas palavras, e porque com elas, muitas delas, as coisas ficam mais fáceis, fluem com mais tranqüilidade.

Tenho uma opinião de que as palavras afastam. Usar palavras é repelir o outro – seja esse “outro” uma pessoa, um objeto ou um sentimento. A ação de dar nome à alguma coisa significa cerrá-la, fechá-la dentro de si. Só que este “si” refere-se a nós. Dar nome quase equivale a dar forma, e portanto delimitar algo, defini-lo.

Agora, nesse espaço esclarecido, o algo incompreensível se encaixou, e ficou ali, estático. Digamos, um bicho da selva. Uma leoa. Ela tem nome, e aqui, na cidade, falando sobre ela, não sentimos medo, nós a compreendemos. Mas e se nos encontrarmos face a face com ela, a distância do nome – a segurança dessa distância, reduzida a nada? Então pouco importa que a leoa tenha nome. Ela já não cabe dentro da forma que lha demos. Não, ela é imprevisível, pronta para derrubar, para arrancar nossas certezas, nossos conceitos mais heróicos.

Voltando ao “mundo humano”. Também entre nós existe essa facilidade. Essa segurança de um nome, seja ele qual for. É João, é médico, advogado, é velho, novo, forte, preto, é... Quem é este outro, que se pararmos num momento de silêncio deixa de ser qualquer coisa?

Sem a mediação das palavras, estamos lançados a natureza mais cruel. Porque rui a razão, a cultura, a sociedade. Sem elas, não pertencemos a lugar algum. Então seria fácil concluir “ao diabo com as palavras, pois!”. Mas... não podemos viver sem elas. Suspeito que não podemos ser sem elas. Tivemos a necessidade de criá-las, afinal...

Os silenciosos. Também há silêncio nas palavras. Parece que elas sempre remetem a esse silêncio maior e insondável. Como delicadas asas de borboleta sobre um abismo escuro. Mas quão perigosamente belo é poder voar sobre esse abismo.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pensamentos

Pensar a vida... Espantar-se com ela. Vivemos tão fechados dentro destes sistemas invisíveis – uma cultura, um idioma, um estado, um apartamento, uma época, um círculo e uma vida social. Nosso mundo é separado em compartimentos, e cada aspecto de nossas vidas pertence a uma gaveta. Nesse sentido tudo é muito claro. Por mais que a gaveta possa estar bagunçada, confusa – está tudo ali, tudo ali pertence àquele lugar, e tem como “seguro” o nome da gaveta, o que deixa a bagunça ordenada, suportável.

Mas isto ocorre no nosso interior, que projeta essa “ordem” sobre a vida. Enquanto esta escapa a qualquer rótulo, corre solta por aí, sem regras, sem sentido, sem propósito, sem gavetas, sem ordem... Falando assim, não parece um grande absurdo, a vida? Nascemos com uma sentença de morte. Vivemos sem saber por que (por quem...?) ou para que. Guiamos a nós mesmos, ao tempo que somos guiados por forças além de nosso alcance, de nosso controle. Não falo em Deus. Chamem do que quiserem. Coisas ocultas, ausentes, poderosas, que nos impelem para lá ou para cá; para lá e para cá...

Um pensamento que tenho. Talvez soe como uma defesa da astrologia. O sol permite nossa vida. Dá cor a todas as coisas (nada tem, de fato, uma cor), nos esquenta, enfim, todos aqueles “fenômenos físicos”. O sol, uma estrela, é essencial, fundamental, decisivo em nossas vidas. E as outras estrelas, que da mesma forma estão no universo, tão distantes quanto nosso sol (porque para o homem tanto faz que sejam bilhões ou trilhões de quilômetros de distância)? Elas não fazem a menor diferença em nossas vidas? Afetam a terra, isso deve bastar para que também nos afetem.

O homem; esse bicho terrivelmente impotente frente à vida. Dominamos o planeta! Evidentemente temos sede. Sede igualmente terrível, que nunca sacia, que nunca vive a si mesma. Não, temos sede, então bebemos, enquanto pensamos na próxima sede e na próxima (in)satisfação. Será que o simples presente nunca nos bastará? Porque não é no presente que estamos aprisionados, embora a sensação seja claramente essa. É num futuro impossível, irreal, sem sangue, que corre artificialmente em nossos nervos. E mesmo vivendo dessa maneira ainda assim vivemos no presente!

Um dia o “homem” acabará. E talvez ele olhe para a própria ruína com surpresa. Talvez pare por um momento, e encontre-se face a face com a pequenez de sua grandeza. Há aqueles que temem parar, e ficar a sós, em silêncio consigo mesmos.

Retorno

De volta por aqui. E acho que não tem ninguém aqui.... O que significaria que estou falando sozinho. Estranhamente isso não parece um problema. Manter um diálogo com interlocutores ausentes: mesmo que aqui estivessem, ainda estariam ausentes.

Fiz uma proposta a mim mesmo, de escrever o que geralmente fica guardado em meu pensamento. Ou mesmo que eu o tenha colocado em folhas, elas foram só para mim, e não tinham um dever com a clareza.

Fiz essa proposta como um exercício. Coisas que a gente fica pensando, que incomodam um pouco, mas que também aliviam às vezes. De colocá-las "para fora", o que significa, de alguma maneira, torná-las reais, ao menos palpáveis (tão palpáveis quanto palavras podem ser).

Não tenho nenhum compromisso, senão comigo mesmo. Quero dizer, não me propus a dever nada a fontes, padrões de raciocínio ou de escrita, a "realidades" enfim, senão aquelas que a mim se apresentam quando penso.

Então, vamos nessa!

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Greater Then Myself [para Di]

You are too great for my heart.
So it expands for you.
But your is bigger then mine,
Which means you will never fit in it.

As a non-planned city, it grows.
With no structure what-so-ever,
Painfully,
My heart gives you a home.

And if you go away,
It will collapse,
For at your disappearance,
It will implode.
Empty, inexistantly,
Unloved.
Ricardo Cardoso de Lima e Silva
31/10/2008