T - E - X - T - O - S

sábado, 1 de setembro de 2007

Poema

Traduzir-se
(Ferreira Gullar)

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Indecentemente Formosa

Sua concentração,
Seus lindos olhos.
Vistos através do vidro
Como numa vitrine
Da mais bela forma.
Indecentemente perfeitos.

Seus lábios rosados,
Mordidos, tamanha aflição.
A beleza mental
Combina-se ao corpo,
E, embora genial,
Seu nervosismo é exposto.

Gota de suor,
Escorre-lhe a testa.
A perfeita esfera prateada.
Fruto de tanto esforço.
E, apesar de toda a atenção,
Não percebe.

O poeta em seu caminho.
Balançando, rabiscando.
Ao lado dele,
Ela mal sabe, mas,
A fonte de sua inspiração,
É sua beleza eterna.

Ricardo Cardoso de Lima e Silva
28/05/2007

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Sem Título

Corpo amante teu,
acanhado
Sou eu.
Diga achar,
Nas coisas
Leves
e
Falidas

Que roçam
(e dançam)
Em cantoria matutina

A eternidade
de uma
flor
Fechada em página de livro.

Guilherme Lanari Bo Cadaval 28/08/2007

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Tato

Um toque.
Suave e pesado,
Como uma rosada
Pétala, sobre a
Imensidão da gravidade
Do poderoso Júpiter.

Oh, grande Newton!

Tal poder de lei
Em dedos famintos
E vulgares.

Oh, músculo cansado!
Dureza da vida
Em forma de massa
Que causa suar.

Profunda magnitude!
Oh, ser tão vivo!

Sensual e gentil.
Como um toque,
Suave e pesado,
Como uma formosa
Pétala.


Ricardo Cardoso de Lima e Silva
31/10/2006

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Soneto de Cumplicidade

Éramos três num vagão em movimento,
Que corria por trilhas desconhecidas,
Ignorando o peso de nossas vidas,
Na sua brincadeira contra o vento.

Dias numa solitária solidão,
Sem saber se primeiro noite ou dia,
Num desfiladeiro onde ninguém dizia,
Se ainda batia com seus pés no chão.

Brisa pela porta entra sorrateira.
Bate nos rostos, levanta poeira.
Carrega pra fora nosso sentimento

De que a vida já não nos pertencia,
Porque mesmo que ela fosse vadia,
Vivemos seu todo e cada momento.

Guilherme Lanari Bo Cadaval 10/08/2007

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Esférica Alegria

Tão leve, sublime, escorria por uma têmpora. Um tom esbranquiçado, não a deixava ser transparente. Gotas passavam, esnobes, brilhosas, refletiam todas as cores em suas redondas formas. Tão belas. Tão feias, riam de sua condição. Estando presa à superfície, estava condenada. Sua forma disforme lhe tornava um peso, um detalhe. Descia lentamente pela pele áspera, ansiosa pelo fim. Perdia sua vida a cada segundo que se passava. Queria ser livre, cair pelo mundo. Pois aqueles segundos de liberdade valiam mais que qualquer infinidade naquela forma, daquele jeito. Quando beirava o queixo, juntou suas forças, não agüentava mais. Sua velocidade diminuiu e seu volume aumentou. Aos poucos se libertava. Ali, haveria de ser feito um sacrifício. Deixando uma parte pequena de si ainda naquela pele, saltou. Durante aquele segundo unitário, brilhou o quanto podia, com seu lindo tom opaco.

Ricardo Cardoso de Lima e Silva
23/07/2007

domingo, 26 de agosto de 2007

A Atriz

Quem diz ter nome,
A atriz?
Se canta e constrói,
Às vezes criança
De tarde.

Noutras, Senhora da Noite.

Ela reflete,
isso digo.
Salta de alma para a cena.
Já as luzes,
[que nunca ofuscam
suas feições de menina]

Abrem espaço
Por
Entre
O
Povo.

E a atriz?
Vai se rindo,
Desconstruindo
E caminhando

ante
pé.

É espetáculo sozinha.

Faz mudo gritar
Tolo compreender
É tempestade na Lua
Dá vida ao que inexiste.

Mas aonde vai
A atriz,
No fim de espetáculo?

Deve andar por ruas,
Arrastando
buquês.
Ou,
(e é mais provável)
Beber no fim do mundo.

Ou então...
Então não existe.

Volta a ser
Mulher.

Guilherme Lanari Bo Cadaval 23/08/2007

Obrigado à Luíza pela foto.