T - E - X - T - O - S

sábado, 15 de setembro de 2007

Poema

Por Ela
(Carlito Azevedo)

Perdera – era a
perdedora. Repara
como anda, não lembra
uma onda morta de medo
pouco antes de
desabar sobre a areia?
Você se pergunta: o
que pode fazer por ela
o poema? Nada, calar
todos os seus pássaros
ordinários –o que lhe
soaria como bruscas
freadas de automóvel.
Se ele pudesse abraçá-la
em não abraçá-la. Mas
ainda assim a quer
reviver e captar, faz
os olhos dela brilhar
numa assonância boa e,
invisível, faz do corpo
dela o seu. Repara
ainda um pouco. Mais
do que se pensa, ele a
perdeu: com a areia do
seu deserto amoroso
ergueu-lhe sua
triste ampulheta. Fim.
Perdera

era

o

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Problema

Eu faço Engenharia Elétrica na UFRJ e é muito difícil escrever pensando em números todos os dias da semana. Por isso, estou ficando sem textos para postar.
Tentarei postá-los ao máximo, mas enquanto isso, imitarei meu sócio e postarei textos de artistas aleatórios.

Por hoje é só.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Retorno

Tenho alguns poemas, que escrevi durante essa pequena ausência, e vou postar aos poucos, intercalando com textos de diferentes autores. Vai aí o primeiro, espero que gostem:


Vertigem

Caio.
Em casa sem chão e tábuas
De madeira velha
Que alinhei junto ao colchão
Nas mil noites mal dormidas
Sem unha pra agarrar
A mão a mim estendida,
Caio.

Medo no escuro

Sento.
No banco vermelho
Exposto em meio ao serrado
Eu amarrado e com mordaça de flores
Pra sangrar todos meus amores
Que passam distantes
Onde os dedos não chegam,
Sento.

Tiro no peito

Sinto.
O tempo correndo
Sempre em demasia
De poucas palavras
E tics e tacs do relógio
Que bate só na cozinha
E me invade toda vez quando vou mijar,
Sinto.

Parado no ar

Vejo.
Redentor lá no alto
Roubando-me a cama
Sem lençóis nem fronhas
E vazia de mim
Que sento na sala
Em meio a fumaça
Pensando quanto tempo ainda falta
Para que algo aconteça.

Guilherme Lanari Bo Cadaval 6/9/2007

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Insônia

Meus olhos cansados
Fecham-se ardidos.
Meu corpo dolorido
Se revira na cama.
Minha mente exaurida
Pensa erroneamente.

Suplico por ti.
O desgaste diário
Passara o limite.
“Venha logo” penso.

Meus olhos fechados
Se cansam de arder.
Meu corpo revirado
Dói na cama.
Minha mente pensativa
Erra ao descansar.

“Trabalho inacabado”.
Tento relaxar,
Respiro fundo
Desejo-te.

Meus olhos ardidos
Se fecham para o cansaço.
Meu corpo, na cama,
Revira sua dor.
Meu pensamento errado
Mente o repouso.

Tua presença
Me ilumina.
Tua demora
É compensada.
Tu, finalmente,
Me pões a dormir.
Ricardo Cardoso de Lima e Silva
28/08/2007

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Outra Crônica

De Ressaca
(Luis Fernando Veríssimo)

Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu ainda sou do tempo das grandes ressacas. As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além da saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era prova de que a retribuição divina existe e que nenhum prazer ficará sem castigo. Cada porre era um desafio ao céu e às suas fúrias. E elas vinham – Náusea, Azia, Dor de Cabeça, Dúvidas Existenciais – às golfadas. Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza. São inconseqüentes, literalmente.
Não é que eu fosse um bêbado, mas me lembro de todos os sábados de minha adolescência como uma luta desigual entre o cuba-libre e o meu instinto de autopreservação. O cuba-libre ganhava sempre. Já dos domingos lembro de muito pouco, salvo a tontura e o desejo de morte. Jurava que nunca mais ia beber, mas, antes dos 30, “nunca mais” dura pouco. Ou então o próximo sábado custava tanto a chegar que parecia mesmo uma eternidade. Não sei o que o cuba-libre fez com o meu organismo, mas até hoje quando vejo uma garrafa de rum os dedos do meu pé encolhem.
Tentava-se de tudo para evitar a ressaca. Eu preferia um Alka-Seltzer e duas aspirinas antes de dormir. Mas no estado em que chegava em casa nem sempre conseguia completar a operação. Às vezes dissolvia as aspirinas num como de água, e engolia o Alka-Seltzer e ia borbulhando para a cama, quando encontrava a cama.
Mas os métodos variavam. Por exemplo:
Um cálice de azeite antes de começar a beber – O estômago se revoltava, você ficava doente e desistia de beber.
Tomar um copo de água entre cada copo de bebida – O difícil era manter a regularidade. A certa altura, você começava a misturar a água com a bebida, e em proporções cada vez menores. Depois, passava a pedir um copo de outra bebida entre cada copo de bebida.
Suco de tomate, limão, molho inglês, sal e pimenta – Para ser tomado no dia seguinte, de jejum. Adicionando vodca, tinha-se um Bloody Mary, mas isto era para mais tarde um pouco.
O sumo de uma batata, sementes de girassol e folhas de gelatina verde dissolvidas em querosene – Misturava-se tudo num prato de pirex forrado com velhos cartões do sabonete Eucalol. Embebia-se um algodão na testa e deitava-se com os pés na direção da ilha de Páscoa. Ficava-se imóvel durante três dias, no fim dos quais o tempo já teria curado a ressaca de qualquer maneira.
Uma cerveja bem gelada na hora de acordar – Por alguma razão, o método mais popular.
Canja – Acreditava-se que uma boa canja de galinha de madrugada resolveria qualquer problema. Era preciso especificar que a canja era para tomar, no entanto. Muitos mergulhavam o rosto no prato e tinham que ser socorridos às pressas antes do afogamento.
Minha experiência maior é com cuba-libre, mas conheço outros tipos de ressaca, pelo menos de ouvir falar. Você sabia que o uísque escocês que tomara na noite anterior era papagaio quando acordava se sentindo como uma harpa guarani. Quando a bebedeira com uísque falsificado era muito grande, você acordava se sentindo como uma harpa guarani e no depósito de instrumentos da boate Catito’s em Assunção.
A pior ressaca era de gim. Na manhã seguinte, você não conseguia abrir os dois olhos ao mesmo tempo. Abria um e quanto abria o outro o primeiro se fechava. Ficava com o ouvido tão aguçado que ouvia até os sinos da catedral de São Pedro, em Roma.
Ressaca de martini doce: você ia levantar da cama e escorria para o chão como óleo. Pior é que você chamava sua mãe, ela entrava correndo no quarto, escorregava em você e deslocava a bacia.
Ressaca de vinho. Pior era a sede. Você se arrastava até a cozinha, tentava alcançar uma garrafa de água e puxava todo o conteúdo da geladeira em cima de você. Era descoberto na manhã seguinte imobilizado por hortigranjeiros e laticínios e mastigando um chuchu para alcançar a umidade. Era deserdado na hora.
Ressaca de cachaça. Você acordava, sem saber como, de pé, num canto do quarto. Levava meia hora para chegar até a cama porque se esquecera como se caminhava: era pé ante pé ou mão ante mão? Quando conseguia se deitar, tinha a sensação que deixara as duas orelhas e uma clavícula no canto. Olhava para cima e via que aquela mancha com uma forma vagamente humana no teto finalmente se definira. Era o Konrad Adenauer e estava piscando para você.
Ressaca de licor de ovos. Um dos poucos casos em que a lei brasileira permite eutanásia.
Ressaca de conhaque. Você acordava lúcido. Tinha, de repente, resposta para todos os enigmas do Universo. A chave de tudo estava no seu cérebro. Devia ser por isso que aqueles homenzinhos verdes estavam tentando arrombar sua caixa craniana. Você sabia que era alucinação, mas por via das dúvidas, quando ouvia falar em dinamite, saltava da cama ligeiro.
Hoje não existe mais isso. As pessoas bebem, bebem e não acontece nada. No dia seguinte estão saudáveis, bem-dispostas e fazem até piada a respeito. De vez em quando alguns dos nossos se encontram e se saúdam em silêncio. Somos como veteranos de velhas guerras lembrando os companheiros caídos e nosso heroísmo anônimo. Estivemos no inferno e voltamos, inteiros. Mais ou mesmo. Um brinde. E um Engov.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Liberto

O ar pressionava as células de seu corpo. Ele rasgava o céu, cortando o ar em um som ensurdecedor, que nada mais era do que um agrado. Seus pensamentos confusos e obscuros sumiram, vagarosamente, um após o outro. O sentimento de leveza, fazia com que sua consciência não pesasse mais, fazia com que seu corpo flutuasse pela eternidade. Com movimentos rápidos, ele se divertia. Brincava como se fosse criança. Ele era seu próprio passatempo. Não precisava de comédias ou drogas para fazê-lo rir, pois ele sorria com prazer, e o ar secava sua boca, mas ele era criança e tudo o divertia, até isso. A roupa colava em seu corpo, trazendo-lhe uma sensação de nudez e liberdade. E era isso que acontecia. Seu corpo não era mais de sua pessoa, suas moléculas não formavam mais a mesma. Ele era pura felicidade e seu corpo, aos poucos, se transformava em, apenas, energia. Uma pequena olhada no ponteiro indicava-lhe que seu tempo acabara. E esse era o motivo pelo qual aquilo não era perfeito, o ponteiro. Apesar de toda a tranqüilidade que o ar que o cercava, que enchia seus pulmões com dificuldade, que o mantinha vivo, e vivo, mais do que nunca, agora, lhe oferecia, ele ainda havia de se preocupar. De súbito, suas lembranças de um mundo “real”, vinham à sua cabeça. Mas ele não queria se importar e nem lhe caberia de fazê-lo. Com um puxão, arrancou o pequeno aparelho que o tornava aflito, e com repetidos solavancos, arrancava sua roupa, em desespero. E, não porque entrava em pânico, mas porque se livrava dele e tinha pressa, pois seu tempo era curto.
E este momento, foi fantástico. Sentia seu corpo fluir pelo espaço, até um manto negro começar a cobrir seus olhos. Já tinha pulado muitas vezes naquela aventura. E sempre havia de voltar. Mas não agora, seu pára-quedas não abriria e ele estaria livre. Logo, ficou assim, feliz, para sempre.
Ricardo Cardoso de Lima e Silva
11/04/2007