T - E - X - T - O - S

sábado, 19 de janeiro de 2008

Sem Título

Estranho o Rio,
Depois de chuva.
Voltam os pombos
E o barulho urbano.
Volta gente nas janelas
Abertas.
Volta o branco
Nas calçadas
E a negra imponência
De montanha lá fora.
O primeiro suspiro
Depois da chuva

Quem sabe amanhã.


Rio de Janeiro, 19 de Janeiro de 2008

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Sem Título

Cheiro o mar.
Na ponta da língua inerte
O fio negro que
Ainda pende dos cabelos
Dela.
Deito o mar.
Se vão as horas de beijos
Que não cabem entre os seios
De cidade em
Fantasia.
Onde fica a janela
Para jogar-lhe no sal
Que abunda as feridas?

Rio de Janeiro, 23 de Dezembro de 2007

domingo, 13 de janeiro de 2008

Corrida Solitária

O ritmo do teu coração
Me envolve.

Meus pés corridos
Se posicionam,
Como um robô,
Um à frente do outro.
Todavia, meu impulso, mecânico não é.

Teus arquejos se blindam nos meus.
Meu cansaço é tua exaustão.

Enquanto teus seios nus
Se postam em minha boca,
Meus braços se movimentam
Sem desistir do ímpeto,
Da inércia.

Teus movimentos repetitivos
Motivam-me a continuar os meus.

Às carícias de minhas mãos
Tu sucumbes aos arrepios.
Teus gemidos são tesouro.

Nossos corpos se fundem
Ao calor de nossos afagos.
Minha mente se torna a tua,
E a tua vive na minha.

E o teu orgasmo é minha satisfação.
A hipnose se torna escravidão.

Tu corres comigo.

Tua presença não me pesa o peito,
Nem mesmo minha consciência.

Tu sorris quando eu sorrio
E eu sorrio sem te notar.
Tua angelicalidade me persegue,
Trata-me injustamente bem.

Ao sentir saudades,
Quando os sonhos me pregam peças,
Toco-te e tu és minha para sempre.
Nesses sonhos infantis
Tu me acalmas.
"Hei de esperar contente
Pois tua vida é apenas uma,
Como a minha foste ao teu lado.
Um dia seremos ambos concretos de novo
Para que nossa abstração
Seja subjetiva em nossos relentos de amor".

Eu obedeço,
Hipnotizado.

Ricardo Cardoso de Lima e Silva

23/12/2007

domingo, 23 de dezembro de 2007

Tic-Tac

O tempo transcrito
Transtorna o transeunte,
Transpassa o traçado,
Transforma o traço.

Tu tendes a ter
Transfigurações tenebrosas.
Tropas de tambores
Tiram tua tranqüilidade.

Em tantos tempos
Tantas tralhas
Trançaram tuas têmporas.
Quando até tardar, tempestades.

Trocas tramadas
Transferiram tentações.
Com o transporte do tato
O toque te trava.

Tentas tirar tudo
Do teu texto.
Todavia, o tempo
Que assim te trata, te tem.


Ricardo Cardoso de Lima e Silva
02/11/2007

terça-feira, 20 de novembro de 2007

mais um sem título

Às vezes, mesmo no outono,
O cheiro da primavera
Enriquece-nos os pulmões.
Algo aflora nessa parte de fauna
Que somos nós.

Nossos desejos se encontram.
Mútuos, intensos, naturais,
Controlam-nos a mente e o corpo.
Nossos corpos ferventes
Transigem à fantasia.
Nossas carcaças se colam,
Umas às outras,
Na esperança
De que nos tornemos um só.

Mas o espaço de um, é dele.
E somente dele,
Para gozar da liberdade de ser.

E nossos logos se conformam,
Em ter tido nossa noite fogosa
E o prazer que será,
Em alguma dimensão,
Eterno.

Ricardo Cardoso de Lima e Silva

19/11/2007

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Poema

Essa é uma tradução que fiz, de um poema do Pablo Neruda.


Se me esqueceres
(Pablo Neruda)

Quero que saibas
uma coisa.

Sabes como isso é:
se olho
a lua de cristal, o galho vermelho
do outono lento à minha janela,
se toco
perto ao fogo
a cinza impalpável
do corpo enrugado do tronco,
tudo, a ti, me levas,
como se o que existe,
cheiros, luzes, metais,
fossem pequenos barcos
que navegam
para tuas ilhas que por mim esperam.

Mas,
se aos poucos deixares de me amar
à ti deixarei de amar aos poucos.

Se de repente
me esqueceres
não me procures
pois, por mim já deves ter sido esquecida.

Se pensas louca e longamente,
ventos conspícuos
que sopram por minha vida,
e decides
deixar-me à beira-mar
do coração onde criei raiz,
lembres
que em tal dia,
à tal hora,
erguerei os braços
e minhas raízes planarão
à procura de outra terra.

Mas
se cada dia,
cada hora,
sentires teu destino em mim
com implacável doçura,
se cada dia uma flor
subir-te os lábios à minha procura,
ah meu amor, ah meu eu,
em mim o fogo se repetirá,
em mim nada se extingui ou se perde,
do teu, meu amor se nutre, amada,
e enquanto viveres estará em teus braços
sem que deixe os meus.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Nudez

A flor de seu gozo
Lento,
No alto
Do salto
Vermelho
(seus pés me
pisam e
engolem
como afogar-se
na corrente).

Ela respira,
E dorme.
Suor de
Pudor
Dos olhos escuros
(não sei se
falo
ou deito
ao seu lado;
não dormirei
em seus braços).

O ventre
Entrelaçado
De passado,
Resiste
Ao toque
(devo perceber
a Nudez
nos olhares
que não
trocamos)?

Guilherme Lanari Bo Cadaval 24/9/2007

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Versos em Quarto Fechado

Perder a vida
Na vida.
Não é ilusão de sexo,
Nem a carne ferida.
Nem estrela
Que brilha
Por não ser impedida.
Mas euforia contida.
Sabor
Do saber
Ser.
O nada em cada tudo.
Nada faço
Com a vida
Ela que me faz.
Fez e fará.
Lembraremos juntos
O verão
De nossas idas.

Guilherme Lanari Bo Cadaval 15/9/2007

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Poema

Subversiva
(Ferreira Gullar)

A poesia
quando chega
não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
de qualquer de seus abismos
desconhece o Estado e a Sociedade Civil
infringe o Código de Águas
relincha
como puta
nova
em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois
reconsidera: beija
nos olhos os que ganham mal
embala no colo
os que têm sede de felicidade
e de justiça

E promete incendiar o país.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Sacrifício

Num instante foi o sangue, o horror, a morte na lama do chão.
– Segue, disse a voz. E o homem seguiu, impávido
Pisando o sangue do chão, vibrando, na luta.
No ódio do monstro que vinha
Abatendo com o peito a miséria que vivia na terra
O homem sentiu a própria grandeza
E gritou que o heroísmo é das almas incompreendidas.

Ele avançou.
Com o fogo da luta no olhar ele avançou sozinho.
As únicas estrelas que restavam no céu
Desapareceram ofuscadas ao brilho fictício da lua.
O homem sozinho, abandonado na treva
Gritou que a treva é das almas traídas
E que o sacrifício é a luz que redime.

Ele avançou.
Sem temer ele olhou a morte que vinha
E viu na morte o sentido da vitória do Espírito.
No horror do choque tremendo
Aberto em feridas o peito
O homem gritou que a traição é da alma covarde
E que o forte que luta é como o raio que fere
E que deixa no espaço o estrondo da sua vinda.

No sangue e na lama
O corpo sem vida tombou.
Mas nos olhos do homem caído
Havia ainda a luz do sacrifício que redime
E no grande Espírito que adejava o mar e o monte
Mil vozes clamavam que a vitória do homem forte tombado na luta
Era o novo Evangelho para o homem da paz que lavra no campo.

Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1933

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Sofia

Sofia toma calmantes.
Assalta-me o corpo
Em noites distantes.
Se joga logo ao fronte;
Sofia nada teme.
(só barata pela janela).
Nela me encontro.
Em meio ao caos
De tantos dias.
Tantos dizeres e fazeres.
Tantas nuvens
De papel
Voando.

Vejo Sofia lá no alto,
Sempre sorriso no cenho.
(Sofia me rouba tudo que tenho).
E acena.
Ou talvez espante os mosquitos
A beber-te o sangue.

Às vezes no mau tempo,
Me jogo à terra
Esperando Sofia
Ser chão.

Guilherme Lanari Bo Cadaval 2/9/2007

domingo, 16 de setembro de 2007

Desde o Primeiro Instante

Visão me embaraça;
Olfato me tranqüiliza;
Audição me amedronta;
Tato me arrepia;
Paladar me alegra.

Pois ao último instante
Já és minha.
E nossas línguas se roçam.
Tuas coxas me prendem.
Dançamos a noite inteira.
Perdemos-nos entre prazeres e orgasmos.
És minha por uma foda.
Sou teu pela eternidade.

Ricardo Cardoso de Lima e Silva
06/09/2007

sábado, 15 de setembro de 2007

Poema

Por Ela
(Carlito Azevedo)

Perdera – era a
perdedora. Repara
como anda, não lembra
uma onda morta de medo
pouco antes de
desabar sobre a areia?
Você se pergunta: o
que pode fazer por ela
o poema? Nada, calar
todos os seus pássaros
ordinários –o que lhe
soaria como bruscas
freadas de automóvel.
Se ele pudesse abraçá-la
em não abraçá-la. Mas
ainda assim a quer
reviver e captar, faz
os olhos dela brilhar
numa assonância boa e,
invisível, faz do corpo
dela o seu. Repara
ainda um pouco. Mais
do que se pensa, ele a
perdeu: com a areia do
seu deserto amoroso
ergueu-lhe sua
triste ampulheta. Fim.
Perdera

era

o

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Problema

Eu faço Engenharia Elétrica na UFRJ e é muito difícil escrever pensando em números todos os dias da semana. Por isso, estou ficando sem textos para postar.
Tentarei postá-los ao máximo, mas enquanto isso, imitarei meu sócio e postarei textos de artistas aleatórios.

Por hoje é só.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Retorno

Tenho alguns poemas, que escrevi durante essa pequena ausência, e vou postar aos poucos, intercalando com textos de diferentes autores. Vai aí o primeiro, espero que gostem:


Vertigem

Caio.
Em casa sem chão e tábuas
De madeira velha
Que alinhei junto ao colchão
Nas mil noites mal dormidas
Sem unha pra agarrar
A mão a mim estendida,
Caio.

Medo no escuro

Sento.
No banco vermelho
Exposto em meio ao serrado
Eu amarrado e com mordaça de flores
Pra sangrar todos meus amores
Que passam distantes
Onde os dedos não chegam,
Sento.

Tiro no peito

Sinto.
O tempo correndo
Sempre em demasia
De poucas palavras
E tics e tacs do relógio
Que bate só na cozinha
E me invade toda vez quando vou mijar,
Sinto.

Parado no ar

Vejo.
Redentor lá no alto
Roubando-me a cama
Sem lençóis nem fronhas
E vazia de mim
Que sento na sala
Em meio a fumaça
Pensando quanto tempo ainda falta
Para que algo aconteça.

Guilherme Lanari Bo Cadaval 6/9/2007

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Insônia

Meus olhos cansados
Fecham-se ardidos.
Meu corpo dolorido
Se revira na cama.
Minha mente exaurida
Pensa erroneamente.

Suplico por ti.
O desgaste diário
Passara o limite.
“Venha logo” penso.

Meus olhos fechados
Se cansam de arder.
Meu corpo revirado
Dói na cama.
Minha mente pensativa
Erra ao descansar.

“Trabalho inacabado”.
Tento relaxar,
Respiro fundo
Desejo-te.

Meus olhos ardidos
Se fecham para o cansaço.
Meu corpo, na cama,
Revira sua dor.
Meu pensamento errado
Mente o repouso.

Tua presença
Me ilumina.
Tua demora
É compensada.
Tu, finalmente,
Me pões a dormir.
Ricardo Cardoso de Lima e Silva
28/08/2007

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Outra Crônica

De Ressaca
(Luis Fernando Veríssimo)

Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu ainda sou do tempo das grandes ressacas. As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além da saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era prova de que a retribuição divina existe e que nenhum prazer ficará sem castigo. Cada porre era um desafio ao céu e às suas fúrias. E elas vinham – Náusea, Azia, Dor de Cabeça, Dúvidas Existenciais – às golfadas. Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza. São inconseqüentes, literalmente.
Não é que eu fosse um bêbado, mas me lembro de todos os sábados de minha adolescência como uma luta desigual entre o cuba-libre e o meu instinto de autopreservação. O cuba-libre ganhava sempre. Já dos domingos lembro de muito pouco, salvo a tontura e o desejo de morte. Jurava que nunca mais ia beber, mas, antes dos 30, “nunca mais” dura pouco. Ou então o próximo sábado custava tanto a chegar que parecia mesmo uma eternidade. Não sei o que o cuba-libre fez com o meu organismo, mas até hoje quando vejo uma garrafa de rum os dedos do meu pé encolhem.
Tentava-se de tudo para evitar a ressaca. Eu preferia um Alka-Seltzer e duas aspirinas antes de dormir. Mas no estado em que chegava em casa nem sempre conseguia completar a operação. Às vezes dissolvia as aspirinas num como de água, e engolia o Alka-Seltzer e ia borbulhando para a cama, quando encontrava a cama.
Mas os métodos variavam. Por exemplo:
Um cálice de azeite antes de começar a beber – O estômago se revoltava, você ficava doente e desistia de beber.
Tomar um copo de água entre cada copo de bebida – O difícil era manter a regularidade. A certa altura, você começava a misturar a água com a bebida, e em proporções cada vez menores. Depois, passava a pedir um copo de outra bebida entre cada copo de bebida.
Suco de tomate, limão, molho inglês, sal e pimenta – Para ser tomado no dia seguinte, de jejum. Adicionando vodca, tinha-se um Bloody Mary, mas isto era para mais tarde um pouco.
O sumo de uma batata, sementes de girassol e folhas de gelatina verde dissolvidas em querosene – Misturava-se tudo num prato de pirex forrado com velhos cartões do sabonete Eucalol. Embebia-se um algodão na testa e deitava-se com os pés na direção da ilha de Páscoa. Ficava-se imóvel durante três dias, no fim dos quais o tempo já teria curado a ressaca de qualquer maneira.
Uma cerveja bem gelada na hora de acordar – Por alguma razão, o método mais popular.
Canja – Acreditava-se que uma boa canja de galinha de madrugada resolveria qualquer problema. Era preciso especificar que a canja era para tomar, no entanto. Muitos mergulhavam o rosto no prato e tinham que ser socorridos às pressas antes do afogamento.
Minha experiência maior é com cuba-libre, mas conheço outros tipos de ressaca, pelo menos de ouvir falar. Você sabia que o uísque escocês que tomara na noite anterior era papagaio quando acordava se sentindo como uma harpa guarani. Quando a bebedeira com uísque falsificado era muito grande, você acordava se sentindo como uma harpa guarani e no depósito de instrumentos da boate Catito’s em Assunção.
A pior ressaca era de gim. Na manhã seguinte, você não conseguia abrir os dois olhos ao mesmo tempo. Abria um e quanto abria o outro o primeiro se fechava. Ficava com o ouvido tão aguçado que ouvia até os sinos da catedral de São Pedro, em Roma.
Ressaca de martini doce: você ia levantar da cama e escorria para o chão como óleo. Pior é que você chamava sua mãe, ela entrava correndo no quarto, escorregava em você e deslocava a bacia.
Ressaca de vinho. Pior era a sede. Você se arrastava até a cozinha, tentava alcançar uma garrafa de água e puxava todo o conteúdo da geladeira em cima de você. Era descoberto na manhã seguinte imobilizado por hortigranjeiros e laticínios e mastigando um chuchu para alcançar a umidade. Era deserdado na hora.
Ressaca de cachaça. Você acordava, sem saber como, de pé, num canto do quarto. Levava meia hora para chegar até a cama porque se esquecera como se caminhava: era pé ante pé ou mão ante mão? Quando conseguia se deitar, tinha a sensação que deixara as duas orelhas e uma clavícula no canto. Olhava para cima e via que aquela mancha com uma forma vagamente humana no teto finalmente se definira. Era o Konrad Adenauer e estava piscando para você.
Ressaca de licor de ovos. Um dos poucos casos em que a lei brasileira permite eutanásia.
Ressaca de conhaque. Você acordava lúcido. Tinha, de repente, resposta para todos os enigmas do Universo. A chave de tudo estava no seu cérebro. Devia ser por isso que aqueles homenzinhos verdes estavam tentando arrombar sua caixa craniana. Você sabia que era alucinação, mas por via das dúvidas, quando ouvia falar em dinamite, saltava da cama ligeiro.
Hoje não existe mais isso. As pessoas bebem, bebem e não acontece nada. No dia seguinte estão saudáveis, bem-dispostas e fazem até piada a respeito. De vez em quando alguns dos nossos se encontram e se saúdam em silêncio. Somos como veteranos de velhas guerras lembrando os companheiros caídos e nosso heroísmo anônimo. Estivemos no inferno e voltamos, inteiros. Mais ou mesmo. Um brinde. E um Engov.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Liberto

O ar pressionava as células de seu corpo. Ele rasgava o céu, cortando o ar em um som ensurdecedor, que nada mais era do que um agrado. Seus pensamentos confusos e obscuros sumiram, vagarosamente, um após o outro. O sentimento de leveza, fazia com que sua consciência não pesasse mais, fazia com que seu corpo flutuasse pela eternidade. Com movimentos rápidos, ele se divertia. Brincava como se fosse criança. Ele era seu próprio passatempo. Não precisava de comédias ou drogas para fazê-lo rir, pois ele sorria com prazer, e o ar secava sua boca, mas ele era criança e tudo o divertia, até isso. A roupa colava em seu corpo, trazendo-lhe uma sensação de nudez e liberdade. E era isso que acontecia. Seu corpo não era mais de sua pessoa, suas moléculas não formavam mais a mesma. Ele era pura felicidade e seu corpo, aos poucos, se transformava em, apenas, energia. Uma pequena olhada no ponteiro indicava-lhe que seu tempo acabara. E esse era o motivo pelo qual aquilo não era perfeito, o ponteiro. Apesar de toda a tranqüilidade que o ar que o cercava, que enchia seus pulmões com dificuldade, que o mantinha vivo, e vivo, mais do que nunca, agora, lhe oferecia, ele ainda havia de se preocupar. De súbito, suas lembranças de um mundo “real”, vinham à sua cabeça. Mas ele não queria se importar e nem lhe caberia de fazê-lo. Com um puxão, arrancou o pequeno aparelho que o tornava aflito, e com repetidos solavancos, arrancava sua roupa, em desespero. E, não porque entrava em pânico, mas porque se livrava dele e tinha pressa, pois seu tempo era curto.
E este momento, foi fantástico. Sentia seu corpo fluir pelo espaço, até um manto negro começar a cobrir seus olhos. Já tinha pulado muitas vezes naquela aventura. E sempre havia de voltar. Mas não agora, seu pára-quedas não abriria e ele estaria livre. Logo, ficou assim, feliz, para sempre.
Ricardo Cardoso de Lima e Silva
11/04/2007

sábado, 8 de setembro de 2007

O Beijo da Vida

O movimento começara. A cena era, de fato, bonita. Reconhecia. Com seu corpo imóvel esperou. Lembrou-se de vários momentos de sua vida. Um em especial durou uma eternidade. Aquele primeiro beijo.
Seu coração batia forte como mil trovões e suas mãos tremiam com insegurança. Ele havia acabado de se declarar para ela e esperava sua resposta. Mas a resposta não viria pois ela estava pior que ele, ela estava em choque. Conseguiu juntar coragem e fez com que seus instintos o comandassem. Todas as suas fibras o levaram para frente e sua boca fora conduzida a dela. Ela não recusou, pois seu desejo não era diferente. Lábios se tocaram e as suas mãos seguraram o rosto da menina, como se em caso soltasse, ela fugiria. Mas essa não era a verdade. Finalmente a menina se mexeu e suas mãos se afirmaram no torso do garoto. Ele, por sua vez, colocou as mãos em torno dela, na altura da cintura. As mãos dela subiram e seus braços envolveram o pescoço do amante. E assim ficaram, dançando. Suas línguas, em sincronia com seus corpos, liberavam uma energia maravilhosa, que infiltrava suas células, seus corações.
Então, o machado atravessou seu pescoço em um lance só e sua cabeça voou. Jatos de sangue indicavam seus últimos batimentos cardíacos.
Ricardo Cardoso de Lima e Silva
23/07/2007

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Uma Crônica

O Pavão
(Rubem Braga)

Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.

Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.

Rio, novembro, 1958